Chamam-se Ricardo e Sónia. Um tem trinta e sete anos e o outro trinta e nove. São primos e naturais do concelho da Mealhada. Partilham para o resto da vida o “peso” familiar e todos os laços afetivos que daí advém, mas fundamentalmente partilham uma história de vida que, para muitos, não haverá palavras que a descreva. A Sónia doou, há cinco anos, um órgão (vital) ao primo “Kau”, que, na altura, descobrira ser insuficiente renal. Ao fim de meia década, ambos estão felizes, saudáveis e ao Bairrada Informação contaram a história, que ainda hoje continua a ser procurada por programas de televisão nacionais.
Ricardo Santos, conhecido por “Kau”, descobriu, numa consulta de medicina do trabalho, que padecia de insuficiência renal. Uma situação que, em poucos dias, necessitou de diálise. Só assim, Ricardo poderia viver, enquanto esperava numa lista (extensa) por um rim que fizesse a função que os seus dois não estavam a desempenhar.
A decisão da prima Sónia foi rápida e decisiva. “No próprio dia em que o ‘Kau’ soube que estava doente, eu disse que lhe queria dar um meu”, confessou, ao Bairrada Informação, Sónia Silva.
Inscritos em dois hospitais, como é prática de todos os doentes que necessitam de transplantes, foi num deles que as “esperanças” escassearam quando lhes foi dito de que, por não terem, o mesmo grupo sanguíneo, não poderiam realizar a operação.
Mas por “acidente”, numa consulta que Ricardo teve no Porto, Sónia entrou e em tom de brincadeira disse ao primo: “Não precisavas nada disto se tivesses o mesmo grupo sanguíneo”. O que Sónia não contava é que sendo do Grupo Sanguíneo O+ é dadora universal, logo seria uma potencial candidata a doar um rim ao primo “Kau”. A Sónia não sabia, mas sabiam-no os médicos e iniciou-se, naquele momento, todo o processo que levaria os primos a uma sala de operações.
Entre consultas e exames nos serviços de Urologia, Nefrologia, Dador Vivo, Psicologia e Coação, o processo ficou apto a realizar-se com a aprovação da Provedora do Dador. Tudo isto no Hospital de Santo António, no Porto.
E foi a 31 de maio de 2011, que Sónia e Ricardo se encontraram numa área de serviço na Autoestrada 1 com rumo ao Santo António. “A operação correu super bem e houve uma grande preocupação por parte dos médicos na parte estética. A minha cicatriz mal se nota”, disse-nos Sónia Silva, relembrando o primo: “Eu tive um mês de cama porque causa da cicatrização. Ele já saiu do hospital como se nada fosse…”. “E a conduzir….”, enfatizou,entre risos, “Kau”.
E passados cinco anos, encontrámo-nos com Ricardo e Sónia no Parque da Cidade da Mealhada, que, sem problema nenhum, nos contam que “fazem uma vida perfeitamente normal”.
“É óbvio que uma vez por ano tenho que ir ao hospital e tenho cuidado, sobretudo, com alguns medicamentos porque, na verdade, eu nasci com dois rins, não com um, e a sobre-dosagem pode ser perigosa. Mas eu bebo muito água… Está tudo impecável”, explica Sónia.
Já Ricardo vai de dois em dois meses ao médico, “até porque tenho que dar conta dos meus três rins”. Confuso? “Os dois rins que tinham sem atividade continuam no corpo e o outro adaptou-se. Se nada der problemas pode ficar assim para sempre”, explicou-nos “Kau”.
Um “para sempre” que o primo de Sónia sabe que tem uma duração de “vinte a vinte e cinco anos”. “Sempre soube que o transplante é uma extensão de vida… Daqui a uns anos não sei o que me espera. Aliás, como ninguém sabe…”, diz Ricardo Santos, casado, pai e funcionário em uma Instituição Particular de Solidariedade Social na vila da Pampilhosa.
E para quem acha que é mito que a dádiva de um órgão pode também passar algumas “manias” do dador para o recetor, Ricardo garante que não: “Ao início dava-me uns calores que nunca tinha tido”. Calores esses que Sónia diz ter deixado de sentir “a partir do momento que foi operada”.
Sobre o gesto da prima, Ricardo não o consegue descrever em palavras. Já Sónia garante ouvir muita vez que “isto só se devia fazer por um filho”. “Eu não acho…. O Ricardo estava doente, para viver tinha que ir, dia sim dia não, fazer um tratamento. Eu tinha dois rins, segundo os médicos muito bons, bastante saudáveis, porque não dar-lhe um? Foi fácil tomar esta decisão. Nem precisei pensar”, confessa Sónia Silva, que ainda concluiu: “O meu avô paterno dizia ‘que o que temos de certo é a hora da morte’. Portanto, não vou deixar nunca de fazer o que me faz feliz com medo de morrer”.
Mónica Sofia Lopes