Podia permanecer em pé
Para sempre ou até entender isto
Que nega o meu entendimento.
Mas preferi continuar sentada
À janela. À minha gigantesca janela.
Esta janela com acesso a varanda
Ao mundo, às ruas, ao vazio…
Com sorriso, registo a imagem…
(Pela última vez, é claro…
Depois de mais de dois meses
Fechada em casa, em mim…)
Tiro a fotográfica,
A foto do nosso lindo universo
Só, abandonado e esvaziado.
Na verdade, ao longo dos dois meses
Estive sempre aqui
Ora sentada ora em pé
Sempre na mesma posição,
Hábitos reinventados e maneiras recriadas
Livro numa mão, chá noutra
Pés cruzados, costas direitas
Chávena a fumegar
Os cheiros a bailarem
Contendo a minha respiração
Já de si carregada da humidade
A chuva que molha a terra,
O vento húmido e fresco,
Tarde cinzenta
Dificultam sempre a minha respiração.
É só isso, só nesta janela.
Pela janela, vi parte da árvore
Ela espreita, e volta a espreitar
Apanhei-a a espreitar a minha leitura
Silenciosa, pensativa
Livre como o cheiro que baila
Da chávena até as minhas narinas…
Senti o soprar do vento
A abraçar a minha pele
Antes fosse um abraço humano,
Mas não o tive e aceitei
O distanciamento social imposto
É sensato; sinal da mão divina
A dádiva do universo
A bênção do torto dado a direito
Um consolo, que cabe neste lugar.
Na minha cabeça?
Nada nela cabe
Nela mora apenas confusão
Dos tempos novos, deste mundo estranho
Os meus pensamentos dançam samba
Gumbé, funaná e morna
Dançam e choram a solidão
Aqui, por isso, sentei-me sempre
Ao longo dos dois meses
Sozinha com o universo
À minha varanda gigante
O dia nunca termina
Sem me ver à minha janela gigante,
Com o meu livro numa ou noutra mão
Uma chávena de chá fumegante
Respiração carregada de saudades
Crio raízes, ligações, conexões
Neste espaço que muito estimo,
Nesta enorme janela com acesso a varanda
Mas a confusão não me larga
O meu pensamento transporta-me
Tira-me desse lugar
Sem dele tirar o meu corpo.
A minha alma viaja
O meu corpo fica enriste
Vou à boleia do duplo sabor que absorvo
Cheiro a chá de gengibre
Doces palavras do meu livro
Conflitam com o desejo do fim
Fim deste isolamento social
Fim do tormento, medo e
Meu desejo é sair de casa
Andar por aí perdida
Correr de novo, rir
Abraçar quem me der o seu corpo
Beijar quem me desse a sua face
Voltar à normalidade
Repor tudo o que num instante mudou
Não, não quero o normal, normal
Não quero tudo como dantes,
Águas passadas não movem o moinho
Vento que sopra não volta a soprar
Não para mim, não mesmo.
O que quero mesmo é voltar
Abraçar quem me der o seu corpo
Beijar com carinho quem me desse o seu amor
Quero poder abraçar, sim
Quero poder tocar, sentir e amar
Quero a mudança que sempre quis
Sem perder o amor que sempre dei
Também recebi, é claro
E o mundo assim brilha.
Normal, é só o que quero
Com abraços, beijos e amor,
Podem as leis proibirem o que quer que seja,
Beijar, abraçar, tocar e amar
Acabaram de ser ações desaconselhadas
Pelos sabedores da matéria.
O que me resta então
Como alternativa, além de abraçar
Com o olhar e beijar com o sorriso?
Em casa, sentada à janela gigante
Com acesso a varanda
Esta janela que me entrega o universo
Em abraço e afago
A terra, o céu, as árvores,
O vento e a lembrança dos tempos idos
O pensamento dos tempos novos,
Deste mundo estanho
Deveras necessários e prementes
É premente aceitar a mudança
Que se nos impõe
Não as leis, nem os cientistas
Mas sim o bom senso, a consciência
O humanismo, o amor
Etecetera, etecetera, etecetera.
Tudo o que já era sem tempo
Tudo que o universo já indiciava
Preservar o fogo interiormente
Para não permitir a explosão.
As mudanças que acontecem de repente
Raramente deixam alternativas,
Desta vez, porém
Ainda que custe tanto
Aceito, daqui, desta minha janela
Ver sorrisos só pelos olhos
E ler angústias pela metade
Da face tapada
Lábios e narinas mascaradas
Medo encoberto, sonhos castrados
Neste impasse, todos devem à lei
Às recomendações, ao bom senso
Ao amor ao próximo…
Abancada à janela gigante
Com o livro de palavras doces
Chá de cheiros dançantes
A passear ou a contemplar
Pelas ruas da minha linda cidade
Ou pelas margens da ria formosa
Verei tudo, de fio a pavio.
Tudo passa, como se diz por aí?
E, sim, vai ficar tudo bem!
Artigo de Mamadu Alimo Djaló
Imagem com Direitos Reservados