O presidente da Câmara da Mealhada, António Jorge Franco, apelou, na tarde da passada sexta-feira, numa sessão pública organizada pelo Município, para que os cidadãos – qualquer pessoa, empresa, associação e/ou entidade – vão ao portal https://participa.pt/, até dia 28 de julho, manifestarem-se desfavoráveis ao eixo 5 do Troço B – de Oiã a Soure -, um dos previstos para a nova linha da Alta Velocidade entre Lisboa e o Porto, que, segundo o autarca, «rasga o concelho da Mealhada». Relativamente, ao eixo 4 foi explicado que a passagem do Pisão a Cavaleiros «será feita em viaduto» e que, na Póvoa do Garção, afetará duas construções, o que, na perspetiva do Município, «terá menor impacto nas pessoas».
As preocupações na Mealhada são semelhantes às de outros municípios da região e, por isso, na sessão pública, autarcas, mas também munícipes, apelaram à maior divulgação possível do que está em causa com a construção da Alta Velocidade, «uma vez que quem aqui não está, fica sem noção do que isto trará para o concelho da Mealhada». Na prática, «a plataforma onde passam os comboios terá 14 metros, mas esta construção implica 200 metros de proteção para cada lado, até porque vai haver uma estrada em toda a área da Alta Velocidade, exceto nos viadutos», explicou António Jorge Franco.
Mas comecemos, então, pelo eixo que, para a Mealhada, seria o mais prejudicial, aquele que, segundo o autarca, «rasga o nosso concelho, criará vários problemas hídricos e trará um impacto muito negativo para a população de Barcouço. Só em Rio Covo são afetadas cinco casas, portanto, com este eixo acabaria essa aldeia, com a qual tivemos grande luta na CCDR para a conseguir manter». Já antes, em comunicado, a Câmara tinha tornado público que o eixo 5 «espartilha diversas freguesias, implica a afetação de mais de duas dezenas de casas de habitação e acarreta enormes prejuízos para a população. Além de implicar a demolição de habitações, condiciona fortemente as áreas de construção urbana nas nossas freguesias».
Resta o eixo 4, o que traz também consequências e impacto negativo, mas, segundo o Município, em menor escala, com impactos na Póvoa do Garção (Ventosa do Bairro) e em Barcouço. «Entre o Pisão e Cavaleiros a passagem será em viaduto e não apanha construção nenhuma. Por baixo do viaduto tudo continuará a ser dos proprietários com o inconveniente de que, durante as obras, não se poderá fazer lá nada», explicou António Jorge Franco, lamentando que este traçado afete «duas construções na Póvoa do Garção».
«Sabemos que nas proximidades de casas haverá barreiras para o menor ruído possível e foi-nos garantido que todos os caminhos agrícolas vão ser repostos para que ninguém fique sem acesso aos seus terrenos», disse ainda o autarca. O edil informou ainda que na próxima quarta-feira, haverá uma reunião de presidentes de Câmara com a Infraestruturas de Portugal «para exigir compensações e contrapartidas da Administração Central».
João Lousado, 1.º secretário da Assembleia Municipal da Mealhada, eleito pela coligação Juntos pelo Concelho da Mealhada, que entre outros partidos tem por trás o PSD, arrasou com «a atual linha ibérica de alta velocidade, que não terá dinheiro europeu para a custear», alertando que «depois de construída, o Alfa Pendular e Intercidades passarão para essa linha e deixaremos de ter o Intercidades a passar na Mealhada e na Pampilhosa». «A Câmara pode ter muita força na escolha do eixo. O que faz mudar os troços são os critérios políticos», disse ainda, afirmando que «o eixo 4 fica claramente mais caro» e que, por isso, «temos mesmo que fazer força contra o 5».
A questão voltará à análise, esta segunda-feira, dia 17 de julho, em reunião extraordinária da Câmara às 9h00 e discutida em Assembleia Municipal, às 20h30.
Jovem casal apreensivo com eixo 4 que passará ao lado da sua habitação
Presentes na sessão estavam Bruno e Lília Gomes, moradores na habitação da Póvoa do Garção (Ventosa do Bairro) afetada no eixo 4, defendido pela Autarquia da Mealhada. «Uma casa de 1993, construída pelos meus pais, que fica num alto, todo o resto do lugar está num dique dois metros abaixo», explicou, ao nosso jornal, Lília Gomes, confessando que «tomou conhecimento do que se estava a passar pelas redes sociais de Anadia». «Começámos a ver muito alarido e “barulho” e ficamos com curiosidade de ir ver o participa.pt. Quando descarregamos os ficheiros apercebemo-nos de que a nossa casa estava ali», disse-nos a jovem.
Interpelado na sessão pelo casal, sobre a sua situação, António Jorge Franco, presidente da Câmara da Mealhada, informou que a Infraestruturas de Portugal «coloca a hipótese de barreiras com cinco, seis, sete e até oito metros, por causa do barulho e das vibrações. Possivelmente, é o que vai acontecer no vosso caso».
Mas o casal saiu da sessão preocupado. «Ali no alto estão mais de uma dezena de casas, não com a proximidade que a nossa está do eixo, mas que obviamente também serão afetadas. São idosos que desconhecem totalmente o que se está a passar e que teremos que os ir alertar», disse Bruno Gomes.
Recordamos que a Câmara da Mealhada já tinha aprovado, em reunião do executivo, no ano passado, a defesa do eixo 4, tendo, por algumas vezes, falado desta preocupação no órgão.
Munícipes preocupados com possíveis escolhas dos concelhos à volta
Muitos dos cidadãos presentes na sessão da Mealhada, estiveram, no dia anterior, num encontro com a Infraestruturas de Portugal que se realizou em Coimbra e onde também esteve o presidente da Câmara da Mealhada.
«Ouvi o representante da IP dizer que vinham fazer uma sessão em Anadia. Julgo que devíamos estar todos, porque Anadia é determinante para a solução que vai afetar a Mealhada. Não nos esqueçamos que isto é um problema da região», referiu a antiga vereadora do Município, Arminda Martins.
Também Ângelo Gomes, um dos munícipes presentes, enfatizou «a importância de as pessoas irem ao participa.pt. Se Anadia e Cantanhede defenderem o traçado 5, são dois contra um. Vamos nos precaver e desenvolver esforços, para não se dar o traçado 4 como garantido, até porque o eixo 5 só se mantém porque Cantanhede não quer lá o 4».
Recordamos, contudo, que, recentemente, Anadia, em sessão da Assembleia Municipal, aprovou, por unanimidade, uma moção, contra todos os atuais traçados da Linha de Alta Velocidade propostos no Estudo de Impacte Ambiental.
Já a Câmara de Cantanhede deliberou, em julho de 2022, por unanimidade, uma posição favorável à adoção do eixo 5, lendo-se numa comunicação municipal, de que «qualquer das outras soluções teriam impacto muito negativo no seu território, que de resto já é atravessado, numa grande extensão, pela Autoestrada 1, com todas as condicionantes que daí decorrem, a vários níveis».
Mónica Sofia Lopes