A luz se deu quando decidi fazer a minha primeira viagem sozinho para uma cidade que não conhecia antes. Mansoa.
Aventureiro de corpo e espírito seguia em direção à cidade sagrada. A minha mãe preocupada com a minha ida, não me queria deixar ir sozinho, mas acreditava que tudo ia correr bem, até porque o meu destino era visitar e conhecer uma pessoa cuja popularidade não se resumia simplesmente pela constante presença na rádio, mas sim pelo que transmitia, tanto na rádio, onde eu o ouvia bastante, como também na forma como ensinava, partilhava os seus conhecimentos, mediava conflitos, conversava com as pessoas, aproximava as partes em desavenças, entre outras…
Quando cheguei à Mansoa, pareceu-me uma cidade bastante calma, talvez seja porque fui numa altura em que essa calmaria era precisa, talvez seja porque a cidade oferecia esse sentimento aos visitantes, talvez seja porque estou satisfeito com a viagem e não tinha razões para ficar preocupado.
A pessoa que me recebeu, não só é da minha família, como também é um grande amigo. Começou a gozar comigo e a perguntar a razão da minha virgem. Depois da pergunta pensei “podia dizer muitas coisas, mas não. Mais vale ser direto”. A minha resposta foi “vim por duas coisas. Primeira, visitar o Imame Central de Mansoa e a segunda, visitar a Rádio Sol Mansi”.
Ao efetuar a primeira visita, estava tão calmo quanto nervoso. Tudo o que queria era sair-me bem perante uma figura tão respeitada e ouvida em toda a Guiné-Bissau, tanto através dos seus programas de sensibilização e de esclarecimento no que toca aos preceitos religiosos como também pela imensa sabedoria que transmitia aos seus alunos e ao mesmo tempo às pessoas que o visitava.
Na minha primeira visita constatei toda essa presença, de uma figura cuja personalidade é invejável. Comunicador e com sentido de humor, afetuoso e conhecedor das variadas temáticas tanto no contexto guineense como global.
Depois da primeira visita, conversamos várias vezes por telemóvel, mostrava-se preocupado comigo e enviava sempre preces de proteção e glória no meu percurso. Tinha um olhar muito presente e focado em quem está a falar com ele. Sentia essa presença mesmo que por telemóvel.
Já no segundo encontro, quando voltei à Guiné-Bissau depois de alguns anos, decidi que seria a primeira pessoa que ia visitar. Isto porque, depois de alguns minutos no primeiro encontro, recebi uma chamada que determinou a minha vinda para Portugal e também pelo conforto e acolhimento que sinto quando estou com ele. Deste modo, a cidade de Mansoa e o Imame Central marcaram, de forma indireta, o meu percurso enquanto estudante em Portugal.
Menos de três anos depois da última vez em que estive com ele, e de várias conversas por telemóvel e troca de mensagens de voz, recebo uma chamada a anunciar o término da sua ação física na Terra. Chocado fiquei, engasgado estava, mas sabia e sentia que todas as nossas vidas vão passar pelo mesmo processo. A missão e presença física do Imame terminou mais cedo, enquanto que a sua missão na Terra, em participar na Guiné-Bissau, continua simbolicamente implantada em cada um dos seus alunos, em cada uma das pessoas que o conhece e visitava permanentemente ou não, em cada um dos membros da sua família, em todas as pessoas que a cada sexta-feira rezavam com ele e aquelas que ficavam coladas à Rádio para o ouvir a falar, sobre a vida, no geral e sobre a religião islâmica, em particular.
Ao chorar o desaparecimento físico do Imame, leva-me a ter que cumprir forçosamente as mensagens implícitas e explícitas que transmitia nas nossas conversas. Leva-me a ter que assumir mais ainda de que não sou superior a ninguém, não devo mostrar que sei tudo ou que sou detentor da verdade. Leva-me ainda a não esquecer de onde vim, quem são os meus principais suportes, e para onde quero ir não devo mentir para lá chegar, não devo pisar ninguém para passar ou chegar mais depressa. E acima de tudo, não devo esquecer Deus.
As lágrimas despejadas pelo desaparecimento físico de uma das pessoas que mais admiro, são lágrimas de um renovar de compromisso comigo, com as causas, e ao mesmo tempo com as aprendizagens que adquiri com ele. Por isso, é preciso chorar sem receio de verter as lágrimas e de alguma forma procurar consolo. Chorar porque dói e doeu, porque ainda tinha muito para nos ensinar, porque já não está entre nós. Mas está e estará dentro de cada um de nós. Chorar pela tua ida sem regresso e porque tem que ser. Acima de tudo, chorar como forma de marcar o legado e o ensinamento que durará para sempre…
Mamadu Alimo Djaló
Cozinheiro, Sociólogo e Poeta
Idealizador do Projeto MUNTU-CONTRARIAR O MACHISMO