A Mealhada foi palco, recentemente, de diversos debates sobre Inteligência Artificial, por um lado com um dia inteiro ligado à temática no 14.º Encontro com a Educação, mas também numa tertúlia, no âmbito do Festival Literário da Mealhada, intitulada «IA sem filtros: o que precisamos saber?», com Jorge Borges, Ana Paula Ferreira, Manuel Coimbra e Miguel Midões, com ligações ao ensino básico e superior, bibliotecas e banca.

Jorge Borges leciona, atualmente, Português no 2.º Ciclo, mas esteve ligado ao Ministério da Educação durante vinte anos. «Há um deslumbramento (com a Inteligência Artificial) que peca por ser reduzido. A escola é uma instituição e por natureza é conservadora. Quando alguém mais conhecedor fala nisto, as pessoas não acreditam e afastam-se. A mudança assusta, mas quem não a abraçar fica para trás», começou por dizer, defendendo que «a máquina nunca dá resposta direta ao aluno» e que os jovens «chegam a inferências que de outra forma não saberiam nunca». Na sessão o professor sugeriu a utilização do «Perplixity», que «vai até sessenta fontes, o que diminui em muito a margem de erro. Para além disso, o programa faz logo um conjunto de perguntas relacionadas com o(s) tema(s)».

Para Jorge Borges «o papel da escola é transformar informação em conhecimento». «Não há espírito crítico sem uma base e o emprego para toda a vida está a chegar ao fim». «Os telemóveis são uma ferramenta terrível porque os jovens estão sempre com aquilo na mão. Os alunos têm de escrever em papel», disse, acrescentando, contudo, que «os professores é que têm que se adaptar porque andam sempre atrás na evolução». «Nunca vivemos um momento de revolução tão grande como este da IA. Se permitirmos que a escola não agarre esta oportunidade, vamos ter um problema enorme. Temos de educar com e para a IA, avançar e experimentar, se queremos ter alunos que se desenrasquem bem», fundamentou.

Ana Paula Ferreira começou por dizer que o que a Rede de Bibliotecas Escolares tem feito «é ensinar os alunos o que é a Inteligência Artificial e de como ser utilizada de forma inteligente». «A tecnologia está para ficar e pode ajudar-nos muito. Devemos procurar a informação, validá-la e assegurar que é a verdadeira», disse, sugerindo plataformas como a Magic School ou Mizou «que não dão respostas diretas».

A convidada desta tertúlia sobre IA recordou que a palavra do ano em 2024 foi «deterioração intelectual». «É preciso fomentar os alunos a aprender e a apreender para que possam ser membros ativos da sociedade», defendeu, relembrando, contudo, que «a IA é uma máquina, “rouba” tudo o que é humano e a educação uma relação emocional». «Cada escola terá de decidir individualmente o que fazer com a IA e os professores terão de ter a perceção do que é mais adequado para cada situação», enfatizou.

Miguel Midões, professor no ensino superior e na sessão no papel de moderador, explicou que «é preciso serem feitas adaptações». «Na universidade onde leciono, deixamos de pedir trabalhos de investigação e a oralidade passou a valer muito mais na nota», disse.

Presente na tertúlia esteve também António Jorge Franco, presidente da Câmara da Mealhada, que admitiu ser defensor da IA: «Faz parte da evolução dos tempos. Devemos aceitar e debatê-la».

Já Manuel Coimbra, ligado à banca de investimento, afirmou que «os grandes avanços na IA não vão ser no atual perfil, em que representam uma sequência de texto. Vai haver evolução, porque os atuais modelos não têm capacidade de raciocínio e de planeamento».

 

Especialistas têm visões antagónicas sobre a IA

«Há vantagens no uso da Inteligência Artificial no contexto educativo? E desvantagens?  Ajuda os professores e os alunos?» foram algumas das questões deixadas no último «Encontro com a Educação» na Mealhada. Perante mais uma centena de professores e agentes educativos, Miguel Oliveira, da Ordem dos Psicólogos Portugueses, e Raquel Varela, historiadora e professora auxiliar com agregação na FCSH – Universidade Nova de Lisboa, partilharam as suas visões, antagónicas, da IA no contexto educativo.

Miguel Oliveira desafiou os professores a experimentarem a Inteligência Artificial para perceberem de que forma esta os pode ajudar no processo de aprendizagem, afirmando que «o professor, é crucial para a criação de ferramentas de IA em contexto escolar.  Assumindo-a como inevitável no futuro, sublinhou que cabe aos humanos “a obrigação de a supervisionar».

Por seu turno, Raquel Varela, não vê vantagens da IA na educação, referindo que a IA «não desenvolve as capacidades psíquicas superiores, como sejam a imaginação, a criatividade, a atenção dirigida». Muito crítica em relação à IA – e à sua introdução na Educação -, Raquel Varela apontou limitações essenciais à IA no que se refere à dimensão humana e à relação professor/ aluno. «Valores como a intuição, a empatia, a relação. O professor que dá a conhecer a IA não faz isso, dá a ouvir. Não aceito que se substituam tarefas intelectuais por uma máquina. Não é desta forma que termos melhores alunos, melhores seres humanos», afirmou.

 

Mónica Sofia Lopes