Sim. O menino foi para o abate. Ou seja, morreu. Desapareceu de vez depois de ter renascido há precisamente dois anos. A sua morte aconteceu quando estava afincadamente a preparar-se para cumprir o seu grande sonho. O desejo de, após o renascimento, fazer aquela caminhada longa que os meninos de dois anos não conseguem fazer. Na hora do seu falecimento o rapazinho não aguentou. Arrastou-se mais de dois metros e caiu dentro do mundo dos invisíveis.
No momento em que estava a arrastar-se, o miúdo pensava em tudo. Para ele, aqueles segundos inexplicáveis antes do seu óbito pareciam durar dois anos da sua (re)existência. Via-se a tremer nos seus primeiros dias da sua nova vida, com medo de correr rápido, pois os seus pais sempre diziam “correr depressa não é nada, chegar é que é tudo”.
Sempre viveu assim, cauteloso. Às vezes, sentia-se triste ao ver os seus colegas a correr rápido e quase sempre bem vestidos e ele permanentemente no seu ritmo. Outras vezes, o seu agrado tornava-se imensurável porque conseguia chegar em ótimas condições aos destinos que pretendia ir. Quando ele se zangava, ficava parado no meio do caminho, em direção à sua escola. A mãe levava-o de um lado para o outro, mas às vezes esquecia-se de colocar água no seu cantil. Ao parar no caminho, obrigava a mãe a ir até a casa só para ir buscar o seu cantil de água.
Apesar da mãe andar com ele para qualquer lugar, poucas vezes tratava da higiene do moço. O miúdo só tomava banho nos dias especiais, no princípio do ano letivo, do inicio do ano civil ou nos meses em que a mãe ganhava algum dinheiro extra, e aí, comprava todos os produtos para o banho e lavava o menino. Nos outros dias comuns, o rapazinho aproveitava a água da chuva para se limpar das sujidades e odores da vida.
A desgraça do menino aconteceu quando ele menos esperava… afinal, a sua idade renovada era um grande disfarce para não se sentir mal perante os seus colegas e amigos da escola, ou seja, brincava com os números quando lhe perguntavam a sua idade. Os seus anos verdadeiros já passavam das duas décadas. Ainda assim, continuava resistente e sempre com sentimento de um miúdo de dois anos. Isso porque a mãe adotiva só contava os aniversários desde a sua adoção, e não contava com as verdadeiras primaveras que o miúdo passou.
A morte do filho fez com que a mãe guardasse uma grande lição para o resto da vida. As aprendizagens inexplicáveis ficaram com ela. Mas aprendeu sobretudo, a saber que, independentemente da relação que se possa ter com qualquer criança, adotiva ou biológica, tem que se dar um tratamento digno e sempre. Depois do enterro, a calma com que estava, levou-a a isolar-se durante alguns minutos e desse isolamento gritava sem incomodar os outros, a frase que só ela sabia: “Acontece. E depois, Tudo Passa”.
Artigo de Mamadu Alimo Djaló
Estudante de sociologia na universidade do Algarve
Antigo aluno de Técnico de Restauração, Cozinha e Pastelaria na EPVL
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