As noites de calor chegavam à Mealhada e com elas chegavam também os bichos-carpinteiros. Entre a hora de jantar e a hora de dormir era pedinchar até os pais deixarem de nos poder ouvir. Então eles não tinham outro remédio senão deixar-nos ir brincar para o Jardim, em frente à Câmara.

Às vezes, os rapazes levavam uma bola para jogar. Gostava de os ver a escolher as equipas. Havia sempre um pé torto que era sempre o último a ser escolhido. Em linguagem de hoje em dia, a sensação de ser escolhido em último para uma das equipas era tipo… fazer upload de uma foto para o instagram e ela ter zero likes.

Outras vezes juntavamos rapazes e raparigas para jogar às escondidas. Alguns meninos e meninas que moravam no Centro, e desconfio que eles iam era esconder-se a casa. Mas eu, como era da Póvoa, estava claramente em desvantagem.

Houve um dia em que a brincadeira das escondidas acabou mais cedo. Um dos nossos amiguinhos tinha partido não um, mas os dois braços. Ele, coitado, andava com gesso a dobrar! Imaginem só o dobro do espaço para as “assinaturas” dos amigos (ou seja, os desenhos pouco ortodoxos nas partes do gesso que ele não conseguia ver, desenhar pilinhas no gesso dele era mato!)

Nesse dia, este amigo que não vou dizer o nome, “rebentou a bolha”. Ele queria ir à casa de banho. O problema era: ele precisava da ajuda de alguém. ME-DO!

Nunca um bando de garotos foi para casa nem tão cedo, nem a correr tão depressa.

Quando cheguei a casa, a minha mãe, surpreendida, perguntou “mas vieste tão cedo? Já acabou a brincadeira?” ao que eu respondi com uma pergunta, depois de ver que não se podia contar com ninguém para nada: “Mamã, se eu algum dia partir os braços podes vir comigo quando eu for brincar para o Jardim?”.

 

Catarina Matos

Mealhadense emigrada na Alemanha

Humorista e atriz