Um polícia que virou cuidador de idosos, uma mulher que foi a primeira comandante de bombeiros do país, um assistente social numa equipa de trabalho onde é o único homem e uma engenheira civil que quase foi enfermeira. É com estes profissionais e “profissões desencaixadas” que estudantes do ensino básico do Agrupamento de Escolas da Mealhada são confrontados no âmbito do Plano Municipal para a Igualdade e a Não Discriminação de Mealhada 2023-2026. A ideia foi a de desencaixar as ideias de que há profissões de homens e profissões de mulheres.
Jackson Silva foi, durante 30 anos, polícia no Brasil. Uma profissão de risco, de tensão permanente, onde as emoções estão sempre à flor da pele. Chegado a Portugal trocou a agitação pela tranquilidade de cuidar de idosos. A trabalhar atualmente numa instituição do concelho da Mealhada, surpreendeu os alunos do 4.º ano da Escola Básica de Barcouço ao explicar o seu atual trabalho. “Cuido, dou banhos, dou comida, troco fralda, acompanho os idosos”, explicou, referindo ser o primeiro homem cuidador a trabalhar na instituição. Problemas e dúvidas acerca da sua capacidade “para fazer o trabalho de uma mulher” houve quem levantasse, quer da parte das colegas de trabalho, quer da parte dos utentes. “Mas o trabalho feito com amor supera tudo. Quando fazemos algo de que realmente gostamos, não existe isso de serviço de mulher ou serviço de homem”, explicou.
A esta história sucedeu-se a não menos surpreendente, para as crianças, de Paula Ramos. De pequenina sonhava ser polícia e de pequenina ouviu a mãe dizer-lhe que isso não era profissão de mulher. Passou a querer ser bombeira e aos dezoito anos foi inscrever-se. Foi segundo comandante dos bombeiros da Pampilhosa e depois a primeira mulher, a nível nacional, a assumir o comando de uma corporação. No quartel já a conheciam, mas no teatro de operações, com outras corporações, a história era outra. “Toda a gente me julgava a mim e ao meu trabalho. Assumiam que por ser mulher não conseguia fazer o mesmo que os homens e muito menos comandar”, referiu a antiga comandante, que conseguiu uma verdadeira transformação na Pampilhosa, onde, na corporação, há tantas mulheres como homens e a desempenharem exatamente as mesmas tarefas. Deixou o comando da Pampilhosa e foi 2.ª comandante distrital. Hoje é coordenadora Municipal de Proteção Civil da Mealhada.
Estes testemunhos fizeram parte de um conjunto de sessões dinamizadas pela Equipa para a Igualdade na Vida Local ao longo de três semanas, que trabalharam na comunidade escolar a desagregação sexual das profissões, medida preconizada no Plano Municipal para a Igualdade e a Não Discriminação de Mealhada 2023-2026. Através destas sessões, as crianças do 4.º ano do Ensino Básico discutiram e posicionaram-se sobre a desigualdade, a justiça e a liberdade, problematizando as dificuldades, desafios e também as mais-valias de se ser um “profissional desencaixado”.
No Centro Escolar da Mealhada, Filipa Pinto, engenheira civil da Câmara da Mealhada, diz que o seu pai teria preferido que tivesse escolhido enfermagem, pois não era do seu agrado que esta trabalhasse no meio de homens. João António, assistente social do Setor de Ação Social e Saúde, refere que a diversidade de géneros no trabalho traz mais-valias importantes, não negando que esta profissão está ainda muito representada por mulheres, focando a competência como meio de ultrapassar os constrangimentos que vão aparecendo.
























