A Escola Profissional Vasconcellos Lebre, na Mealhada, proporcionou uma conversa sobre «Espiritualidade e Liberdade» evocativa da Vigília da Capela do Rato, uma ação de protesto ocorrida em Lisboa, em 1972, em que um grupo de católicos assumiu uma posição contra a guerra colonial e contra a ditadura do Estado Novo. O encontro, organizado pela turma do 11.º ano de Apoio à Gestão, contou com três intervenientes desta movimentação dos anos setenta e realizou-se na Cafetaria do Cineteatro Messias.
Jorge Wemans, um dos participantes na vigília de dezembro de 1972, começou por dizer que, na ditadura, a Igreja «era uma instituição muito significativa, sobretudo na mentalidade das pessoas. De certa forma, teve um grande papel de defesa da guerra com o discurso de que os territórios eram muito importantes».
Mas tanto Jorge Wemans, como Ana Cordovil e José Carlos Cantante, insurgiram-se contra a Ditadura, bem como contra a Guerra Colonial, depois de verem partir tantos conhecidos. E tudo começou com a comemoração do Dia Mundial da Paz, proposta pelo Papa Paulo VI, para 1 de janeiro de 1973 em que a mensagem era a de que «a Paz é possível». «Ora se a paz é possível, então vamos fazê-la e lutar por ela. Portugal era um país muito pobre, triste, cinzento e as pessoas muito controladas. Só 5% dos jovens chegavam à Universidade e um milhão de pessoas, nos anos 60, emigrou para França. Curiosamente só havia dois espaços onde se falava de guerra colonial: na Igreja e nos Movimentos de Estudantes», continuou Jorge Wemans, explicando que «é neste quadro que um grupo de católicos resolve promover esta vigília na comunidade: a 30 de dezembro de 1972, no fim da missa, uma senhora levantou-se, leu um pequeno texto e convidou a comunidade a ficar lá. Foi assim que ficamos de 30 para 31 de dezembro de 1972, tendo neste dia distribuído uns panfletos por algumas Igrejas».
«Supondo que nesse dia tenha havido bastante conversa no Governo do que nos poderiam fazer, a verdade é que ao fim da tarde, a polícia cercou a capela e não nos deixavam sair», sublinhou ainda, corroborado por Ana Cordovil, hoje sua esposa, que recordou que «fomos convidados a abandonar o local, com a pressão dos cães e a falarem num altifalante, mas ninguém o que fez. A nossa resposta foi, de pé, rezarmos em conjunto». «Tínhamos feito uma moção contra a Guerra e muitos de nós estávamos na posse de agendas pessoais, que pedimos à senhora que tomava conta da Capela para guardar no sacrário, tendo tudo acabado por ficar protegido», disse ainda.
«Ainda houve duas pessoas que resistiram, mas fomos todos colocados em carrinhas da polícia – cerca de 80 pessoas – e identificados na Esquadra do Rato. Destes, trinta, número onde me incluo, não foram libertados e acabamos por passar o fim de ano em celas. No fundo, estávamos satisfeitos com esta intervenção porque consideramos que tínhamos dado nas vistas e que a nossa ação tinha tido impacto», disse ainda Jorge Wemans.
Já José Carlos Cantante relembrou que «o próprio Marcelo Caetano (presidente do conselho de ministros quando se deu a revolução do 25 de Abril) sentiu obrigação de ir à televisão falar sobre o que tinha acontecido na Igreja».
Filomena Pinheiro, vice-presidente da Câmara da Mealhada, congratulou a iniciativa, afirmando que «hoje vivemos um contexto muito difícil em termos mundiais e estas circunstâncias passam despercebidas aos mais jovens. Portanto, é importante mostrar-lhes que esta paz não é um dado adquirido e que lhes cabe a eles trabalhar o futuro».
Mónica Sofia Lopes