«Os avós não têm que estar condicionados à tristeza», referiu, na Mealhada, Paulo Guerra, juiz desembargador no Tribunal da Relação de Coimbra, para uma plateia de alunos(as) da Universidade Sénior da Associação CADES – Cooperação Artística, Desportiva, Educativa e Social, que, na tarde da passada sexta-feira, promoveu, na Biblioteca Municipal, a palestra «Ser Avô em Portugal: o Colo da Lei».
O orador começou a sessão contextualizando os Direitos das Crianças e dos Idosos. «Assim como existe um Direito da Criança, não será altura de criar uma Comissão de Proteção do Idoso? Algumas Autarquias já têm comissões municipais, mas aqui na região não há nada», disse o convidado, afirmando existir «uma discrepância entre a defesa da criança e do idoso». «As crianças só começaram a ser alvo de discussão em 1989 com a Convenção sobre os Direitos da Criança. Quanto à pessoa idosa não temos muita coisa», acrescentou.
«Em 2001, eramos 113 idosos para 100 jovens. Alguns, avós deste país, que muitas vezes são vítimas de maus tratos e silenciam isso», continuou, explicando que os maus tratos na Terceira Idade podem ser físicos, verbais, psicológicos ou emocionais, sexuais, económicos ou negligenciais».
Nestas situações, os bloqueios de atuação podem variar, nomeadamente, por falta de relação familiar próxima, dependência económica ou habitacional, vivência solitária ou debilidade. Já os fatores de risco prendem-se com a idade avançada, com escassos recursos económicos, baixos rendimentos e condições de salubridade precárias. Também os sinais de alerta chegam de diversos formas: «Disparidade na explicação, relato não plausível para a idade, dados laboratoriais não congruentes com a história rebuscada, apatia, lesões com vários estados de cura, fraca adesão ao regime médico instituído e higiene precária».
«Basta uma mão… e os olhos bem vivos e diligentes na denúncia», cita o juiz desembargador, que garante que, depois de uma diretiva de 2008 da Procuradoria Geral da República, «os crimes contra idosos têm prioridade absoluta no nosso país. Nunca ter receio, nem hesitar em denunciar, pois enquanto cidadãos devemos fazê-lo».
Outro grande passo foi dado com o Artigo 1887.º-A do Código Civil, em que «os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes». «A criança passou a ser titular de um direito autónomo no relacionamento com os avós e irmãos, que podemos designar por direito de visita e, como sabem, todo o direito corresponde a uma ação em Tribunal», referiu Paulo Guerra, enfatizando que «os avós têm legitimidade para acionar este artigo», não tendo «que ser condicionados à tristeza», desde que «o convívio com os ascendentes e irmãos seja positivo para a criança».
O mesmo artigo de 1995, que prima sempre pelo interesse e vontade da criança, é válido para padrinhos, padrastos, madrastas e tios. «Os pais não podem recusar só porque não querem, não gostam ou estão em litígio. Já há voz na vida real», disse ainda o convidado, concluindo que «sem afeto uma criança não vive feliz».
Mónica Sofia Lopes