Os testemunhos de uma jovem casada com um surdo profundo e de um homem que há mais de 50 anos se desloca em cadeira de rodas «devido à falta da toma de uma vacina por rutura em África», local onde nasceu, fizeram a diferença na oficina «Mealhada Acessível», que se realizou recentemente. «O objetivo é sensibilizar e capacitar os nossos agentes, os nossos serviços e a nossa comunidade para estas problemáticas que nos tocam a todos», referiu Filomena Pinheiro, vice-presidente da Câmara da Mealhada, explicando que «a sessão não se realizou online, precisamente para podermos ver e ouvir estes testemunhos reais».

Marisa Maganinho é casada com um «surdo profundo» e, no seu discurso, começou logo por desmistificar o facto «de se pensar que uma pessoa que é surda, é muda. Dizer-se “surdo – mudo” é errado e até ofensivo para as pessoas surdas». A jovem, que tem duas filhas com o marido, André, explica que se todos tivessem conhecimento da língua gestual seria importante, «mas o fator essencial é o da normalização. Não fazer ar estranho quando se tem conhecimento da surdez». «O André é autónomo, giro e trabalha como responsável logístico. A única coisa que precisamos é que o respeitem no dia-a-dia, até porque uma pessoa surda faz exatamente as mesmas coisas que todos nós», defendeu, lamentando ouvir comentários de que «as filhas são tão pequeninas e já sabem língua gestual». «Elas são bilingues, uma vez que em casa só nos comunicamos em língua gestual», desvendou ainda, questionando: «Se crianças de 1 e 4 anos desenvolvem estratégias para comunicar com o pai, como é que nós adultos não conseguimos?».

Por outro lado, Marisa Maganinho explicou que «uma pessoa surda precisa, todos os dias, de ir ao pão, ao banco, ao supermercado e as pessoas do outro lado não estão sensibilizadas para isso». «Não tem mal o desconhecido, mal é não estarmos abertos a conhecê-lo. Quando casei com o André não foi para ser secretária dele. Somos pessoas individuais e a ideia que o vim “salvar” é errada», enfatizou.

Outro fator que dificulta a comunicação é o facto «da língua gestual ter uma gramática e sintaxes diferentes». «Quando eu digo “eu vou por casa”, o André percebe “eu a casa  vou”», explica a jovem, corroborada por Ana Garcia, da Accessible Portugal, associação que se dedica a promover o Turismo acessível para todos, que considera que «o ensino do português aos surdos também tem que evoluir e ser mais adequado».

Presente na sessão, promovida pela Autarquia da Mealhada no âmbito das iniciativas da Semana Europeia da Mobilidade, esteve Carlos Nogueira, de 56 anos, que devido «aos 13 meses de idade não ter tomado uma vacina, por falta de rutura em África, ficou numa cadeira de rodas». «Os meus pais tiveram a capacidade de me educarem e tratarem de igual forma como aos meus irmãos. Regressamos a Portugal, quando ainda era pequeno, para fazer cá o meu percurso de ensino e se hoje falamos em falta de acessibilidades, imaginem como era há uns anos valentes», referiu, confessando não ter encontrado «problemas nas crianças, mas sim nos adultos e nas barreiras arquitetónicas. Tive, aliás, professores que se recusaram a mudar do primeiro andar para o rés-do-chão».

Independente financeiramente desde os 18 anos, altura em que começou a trabalhar na Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Nogueira enaltece o papel desta Autarquia «pelo grande peso que teve na integração destas pessoas. Para nós ter um emprego é algo muito importante». «Vivi oito anos no Luxemburgo e viajei muito sozinho. Vim muitas vezes de carro porque vir pelo aeroporto implicaria pedir ajuda a pessoas, como tinha um carro adaptado e as autoestradas não têm degraus, colocava-me ao mesmo nível de todas as outras pessoas», explicou, enfatizando: «Se não nos complicarem a vida, nós fazemos».

 

Desmontou cadeira e rastejou no passeio para conseguir entrar em casa

Os lugares de estacionamento para pessoas que se deslocam em cadeiras de rodas foi um dos pontos focados na sessão, com Carlos Nogueira a relatar uma história que lhe aconteceu, depois de ver o estacionamento, destinado a pessoas com limitação de mobilidade, ocupado, mas também um veículo mal estacionado que não lhe permitia ter acesso à entrada de casa.

«Fui estacionar o meu carro longe e na calçada, já junto ao prédio, desci da cadeira para o chão, desmanchei-a peça por peça, e rastejei até ao lanço do prédio, onde voltei a montar a cadeira e a sentar-me nela», contou, afirmando conseguir fazê-lo devido à sua «destreza e sensibilidade». «Se fosse um amigo meu, com lesão de medula, o que lhe ia acontecer era ter de dormir no carro», lamentou.

«Às vezes ouvimos “desculpe, foram só cinco minutos”. A verdade é que já perdi compromissos por causa desses cinco minutos, uma vez que a nossa mobilidade não se faz com tanta rapidez como a de qualquer outra pessoa», rematou.

Ana Garcia, da Accessible Portugal, associação que se dedica a promover o Turismo acessível para todos, afirmou que «sem acessibilidade não há inclusão», mas colocou a tónica nas pessoas «e não nas rampas». Concretizou, com testemunhos de diversas pessoas, explicando que é positivo existirem infraestruturas de promoção de acessibilidade, mas esta carece de pessoas, não só de especialistas, mas de toda a sociedade, no sentido em que cada um deve ter competências humanas para saber responder e acolher quem tem algum tipo de incapacidade, nomeadamente no setor do Turismo. «Hoje, um milhão de pessoas têm dificuldade em compreender e reter informação no nosso país e isso demonstra que temos que estar preparados para saber comunicar», afirmou.

 

Mónica Sofia Lopes