Há sete anos que Mariya Dzhochka, de 31 anos, natural de Burshtyn, na Ucrânia, escolheu o concelho da Mealhada para residir em busca de uma vida melhor. Naquele país ficaram mãe, irmã, sogros, restante família e amigos desta imigrante que, na madrugada de ontem, acordou com uma chamada da mãe a dizer-lhe: «Começou a guerra. Como não sei se depois nos conseguimos contactar, quero dizer que te amo».

«Isto é horrível e, sinceramente, nunca pensei que esta noite fosse chegar. Ninguém da minha família e amigos pensou que ia mesmo começar a guerra». Foi assim, com bastante emoção, que esta imigrante começou por explicar ao «Bairrada Informação» como está a viver, à distância, toda a situação do ataque da Rússia à Ucrânia, confessando estar «em choque», mas a sentir «muito apoio dos portugueses à sua volta e amigos da Polónia».

Com as tropas russas posicionadas na fronteira da Ucrânia há já uns dias, Mariya Dzhochka, ex-professora na Ucrânia, mas atualmente a trabalhar numa fábrica no concelho de Anadia, viveu a situação com preocupação, «mas tal como muitos ucranianos, achei que era provocação e que se resolveria pela via diplomática».

As notícias cá e lá intensificavam-se. «Na escola primária onde a minha mãe dá aulas, nos últimos 15 dias, fizeram três simulacros para o caso de ser necessário irem todos para a cave. O primeiro foi com a diretora, professores e auxiliares; depois com as crianças levando comida, água e cobertores para se sentarem. Começou por ser devagar, mas da última vez já em corrida como se estivessem mesmo a ser alvo de um ataque», explica a imigrante, que reside em Portugal com o pai, marido e a filha Marta, já nascida cá.

«Há duas semanas, o governo ucraniano enviou um folheto às pessoas para prepararem uma mochila com os bens de primeira necessidade, documentos, comida e medicamentos», continuou a jovem, garantindo que quando a mãe lhe contou isto, disse-lhe: «Não faças porque não vais precisar de nada. A verdade é que hoje, dia 24 de fevereiro de 2022, a minha mãe está vestida, sentada à porta de casa, com a minha avó de 82 anos de idade, com um saco feito, a ver as notícias e pronta para sair a qualquer momento, sem saber bem para onde».

A progenitora em Burshtyn e a irmã em Lviv não ouviram nada de noite e sabem de tudo pelas notícias. «A minha tia, que vive perto da minha mãe, é que às 4 horas de madrugada, ouviu um barulho forte de avião e pouco depois souberam que o aeroporto da cidade tinha sido ocupado», disse-nos Mariya Dzhochka, ao final da tarde de ontem, numa altura, em que o aproximar da noite começava a trazer uma maior inquietação. «A minha irmã está neste momento na fronteira da Polónia, numa fila de cerca de quatro quilómetros, com a intenção de passar para outro país e dali apanhar um avião para os Estados Unidos para ir ter com o filho (na manhã desta sexta-feira ainda não tinha conseguido entrar na Polónia). Os nossos primos com filhos pequenos ficaram na sua casa, que tem cave, para se abrigarem se for preciso», continua, dizendo ainda que «o combustível está a terminar, os supermercados ficaram vazios e todas as pessoas foram a correr para os multibancos para levantar dinheiro».

«E como se vive tudo isto a quatro mil quilómetros de distância?», perguntamos. «Hoje, os meus sentimentos estão confusos. Eu gosto do meu país. Não fugi dele, saí em busca de uma vida melhor. Hoje a minha filha, de seis anos, chora, só por causa das notícias. Como seria se estivéssemos lá?», questiona, afirmando sentir-se «segura e protegida em Portugal»: «Só peço à minha mãe, avó e sogros que procurem uma fronteira aberta e vão para outro país, onde um avião os possa trazer até cá».

«Bem sei que isso agora não é o importante, mas a verdade é que é difícil sair com um saco e deixar a nossa casa e todas as coisas para trás», lamenta.

 

Texto de Mónica Sofia Lopes

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