Artigo de CRUZ, Fátima¹ & FERREIRA, João²

1Enfermeira Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia na Unidade Saúde Familiar Caminhos do Cértoma

2 Estudante do 4.° ano de Enfermagem do Curso da Licenciatura em Enfermagem em Coimbra (ESEnfC)

 

No dia 25 de novembro celebra-se o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Este ano, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP), realiza uma campanha intitulada “Pelo Fim da Violência Obstétrica”.

A evolução do conhecimento científico e as práticas de assistência relacionadas com o parto têm mudado a nível mundial. Não ao mesmo ritmo em todos os países, atendendo a essas práticas não dependerem somente do sistema de saúde de cada país, mas também do desenvolvimento a nível socioeconómico, técnico-científico, político e ambiental.

De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), segundo a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, é considerado um ato de Violência Obstétrica: a restrição da presença de acompanhante junto da mulher grávida, abusos verbais, procedimentos médicos  não consentidos, violação de privacidade, administração de analgésicos sem consentimento,  violência física, entre outros.

Segundo a Ordem dos Médicos, o termo “violência” é conotado como agressão física ou psicológica, sob a forma de abandono, tortura, espancamento, mutilação ou até mesmo homicídio, ajustando-se mais aos países onde não são respeitados os Direitos Humanos, países aos quais a OMS tem dirigido especial atenção. De outro modo, o termo “mau trato” ou “maus tratos” apresenta uma maior abrangência e adaptabilidade à realidade de países como Portugal. Este termo engloba situações de abuso físico ou verbal, falha de prestação de cuidados adequados, negligência, discriminação e/ou recusa de aceitação da autonomia da mulher, após ser devidamente esclarecida sobre os benefícios, os malefícios e os direitos inerentes às suas decisões. É ainda de extrema importância salientar, que tanto é uma forma de “mau trato” realizar uma intervenção desnecessária, como não a realizar, privando a grávida dos cuidados de saúde apropriados.

É imperioso que todos os profissionais de saúde conheçam as diretrizes sustentadas em evidências científicas que a OMS emitiu em 2018, que estabelecem boas práticas para um atendimento mais humanizado a mulheres grávidas saudáveis e com a redução de intervenções médicas e de enfermagem por forma a que não interfiram e nem acelerem o Trabalho de Parto, a menos que existam riscos reais de complicações. Minimizando ou mesmo evitando “abusos e maus tratos” às mulheres em Trabalho de Parto, Parto e Pós-parto.

Um inquérito realizado pela APDMGP a 3800 mulheres, revelou que 43,5% das mulheres inquiridas não se demonstraram satisfeitas com o seu parto. No que consta dos resultados obtidos, mais de 40% das mulheres afirmaram não ter sido pedido o seu consentimento sobre as intervenções ou exames realizados durante o trabalho de parto; quase 25% das mulheres não se sentiu bem com a posição adoptada para a expulsão; e a maioria das mulheres teve alguma intervenção durante o seu trabalho de parto, dado que apenas cerca de 11% destes foram sem intervenção.

De modo a reforçar e a consolidar a proteção das mulheres na gravidez e parto, a Assembleia da República decreta a Lei n.º 110/2019, que visa estabelecer os princípios, direitos e deveres aplicáveis em matéria de proteção na pré-concepção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento e no puerpério, procedendo à segunda alteração à Lei n.º 15/2014, de 21 de março. Em suma, apesar de todos os dados evidenciados acerca da Violência Obstétrica em Portugal, torna-se imperioso destacar que Portugal está entre os países do mundo onde se regista um menor número de maus tratos durante a gravidez. Portanto, torna-se crucial corroborar e aprimorar os cuidados de saúde prestados pelos profissionais de saúde, no âmbito do aumento da literacia em saúde, no contínuo acolhimento das mulheres grávidas e suas famílias, de modo a estabelecer uma relação de confiança com os serviços de saúde.

Em pleno século XXI é necessário mobilizar o conhecimento técnico-científico e deontológico para um Cuidar de Excelência, é crucial enquanto profissionais de saúde, sermos detentores desses mesmos saberes, sustentados nas melhores evidências científicas e influenciar as lideranças e políticas em prol da Saúde das Mulheres, termos uma voz ativa, sermos ativistas e proativos.

Refletir no que poderá ser feito para melhorar os cuidados de saúde que são prestados na área da obstetrícia, incentivando os casais a negociar um Plano de Parto, por forma a minimizar a ocorrência de situações desagradáveis, fomentando experiências de parto positivas.

É importante que as parturientes tenham conhecimento que é um direito que lhes assiste terem  um acompanhante ou pessoa de referência durante o Trabalho de Parto, Parto e Pós-parto imediato; a serem consideradas as suas tomadas de decisão; a participarem na gestão da sua dor e a serem respeitadas as posições que escolhe adotar durante o Trabalho de Parto e Parto.

No entanto, temos que questionar se as maternidades portuguesas estarão dotadas de estruturas físicas para assegurar condições para se desenvolver um parto o mais natural possível.

Cada vez mais, enquanto profissionais de saúde, sabemos que o que faz a diferença no Trabalho de Parto e Parto não são coisas caras, mas sim, passarmos a ser líderes de mudança, salvaguardarmos os direitos contribuindo com uma comunicação efetiva, um acompanhamento/apoio assertivo, uma mudança no paradigma do cuidar da mulher, o valorizar das suas escolhas, vontades, crenças e valores.

Uma experiência de parto positiva é o objetivo de todas as mulheres que estão grávidas, neste sentido, a OMS (2018) define experiência positiva de parto como sendo uma experiência que preenche ou ultrapassa os objetivos sociais, culturais e pessoais da mulher, o que inclui o nascimento de um bebé com boa saúde, num bom contexto clínico e psicológico, com apoio prático e emocional contínuo durante o Trabalho de Parto e Parto, assim como pessoal clínico treinado, amável e dotado de  competências  técnico-científicas. 

É fundamental garantir todos os direitos inerentes à área da obstetrícia: o consentimento informado, a privacidade da parturiente/puérpera e o diminuir das intervenções desnecessárias.

É durante a vigilância pré-natal (gravidez), que a mulher deve adquirir informação, e conhecimentos que lhe confiram autonomia, competência para poder efetuar escolhas que influenciem a sua saúde, ou seja, as grávidas devem ser empoderadas durante todo este ciclo gravídico-puerperal, para serem capazes de tomarem decisões pensadas e assertivas relativamente à sua saúde e à saúde do seu filho.

Compete ao Enfermeiro Especialista em Saúde Materna e Obstétrica promover uma transição saudável para a maternidade, necessitando para isso de capacitar a mulher, de modo a que adquira poder e controlo sobre a sua saúde, proporcionando um ganho de conhecimentos e desenvolvimento de competências que lhe permitirão ter uma participação ativa na sua autodeterminação e no seu projeto de saúde enquanto parturiente.

É imprescindível que a mulher seja reconhecida como a protagonista durante o parto, onde as suas escolhas deverão ser respeitadas na realização de práticas de saúde que permitam a sua segurança e bem-estar, assim como do recém-nascido. A mulher que vivencia este momento de forma consciente e com uma participação ativa, terá por certo um resultado mais rápido e satisfatório. 

 

REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS

Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (2021). Campanha “Pelo fim da violência obstétrica”. Recuperado de https://associacaogravidezeparto.pt/campanhas-e-eventos/campanha-pelo-fim-da-violencia-obstetrica/

Decreto-Lei nº 44/2017 de 20 de abril. Diário da República nº 172/2019 – I Série. Assembleia da República. Lisboa, Portugal.

OMS. (1996). Assistência ao parto normal: um guia prático. Saúde Materna e Neonatal. Unidade de Maternidade Segura. Saúde Reprodutiva e da Família. Genebra.

OMS. (2018). Recomendaciones de la OMS: cuidados durante el parto para una experiencia de parto positiva.

Ordem dos Médicos (2021). Informação sobre violência obstétrica. Recuperado de https://ordemdosmedicos.pt/informacao-sobre-violencia-obstetrica/

Serviço Nacional de Saúde. (2018). Parto | Novas recomendações da OMS.

 

 

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